quinta-feira, 27 de outubro de 2011

PRESO NÃO TRABALHA, MAS COME


Bom dia, polêmica! Companheira constante, uma vez mais venho ter contigo. Eis a questão: se o trabalho dignifica o homem, se de seu suor compramos o pão nosso de cada dia, por que preso não trabalha? Sim, há poucos que trabalham em troca do benefício da diminuição de sua pena. Já a maciça maioria não trabalha porque simplesmente não quer. Talvez por terem mais o que fazer (ou não fazer) dentro dos presídios. Mas todos eles comem e de graça, aliás. Trabalhador, rico ou pobre, tem que trabalhar para comer; presidiário, não. Qual a lógica disso? O trabalho nos presídios não seria a mínima contrapartida para o custo elevado que cada detento representa para todos nós? Sugestão: não trabalha não come. Ah, trabalho forçado é crueldade! Será mesmo? Trabalho ou ócio: o que traz mais benefício ao ser humano? Trabalho é trabalho, forçado ou espontâneo, livre ou vigiado, amado ou odiado, criativo ou robotizado. Trabalhar, ainda que a contragosto, é absolutamente necessário porque sem trabalho começamos a morrer, de um jeito ou de outro.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

MEU VIZINHO MORREU NO JARDIM

Um sol radioso iluminava a manhã. Era sábado.  Preguiçoso, eu  lia um livro confortavelmente instalado em minha casa. Foi quando tudo aconteceu. Primeiro o grito, depois o choro, ambos femininos, vindos de um quintal vizinho, a duas casas da minha.  O socorro veio em seguida, um corre-corre danado. Mais lamentações. Como nada se pode fazer,  acabaram por levá-lo, desoladamente inerte numa maca. Assisti a tudo, impotente. Eis o fato: meu vizinho morreu de um modo rápido, fulminante, cuidando do seu jardim. Passado o choque e a perplexidade, pensei na dignidade e na beleza daquela doce morte domiciliar. Sim, doce, porque a morte lhe veio como a visita de uma velha amiga: sem alarde, sem susto, sem sangue, sem dor, sem hospital, sem tubos, sem cortes, sem tiro, sem terror. Foi triste, é verdade, como toda morte. Mas a tristeza é um sentimento nobre e nela cabe a poesia. No mesmo jardim, mais tarde, novamente pairava o silêncio de uma manhã que, alheia, continuava luminosa e bela. Até hoje não sei o nome do meu vizinho, mas sei que ele morreu em casa, com as mãos sujas de terra, entre suas plantas e suas flores, sem lágrimas e sem adeus. Dorival Caymmi disse que é doce morrer no mar. Naquela manhã vi que também é doce morrer no jardim.



segunda-feira, 17 de outubro de 2011

EU TENHO PRECONCEITO


Menti no título. Eu tenho muitos preconceitos  (assim, no plural). Alguns deles, genéricos e inofensivos. Exemplo: para mim, quem assovia é sempre um chato. Outros, mais sérios e específicos, dos quais não me orgulho, ao contrário, sinto vergonha em tê-los, por isso guardo-os só para mim.A origem do preconceito está na percepção que cada indivíduo tem da realidade e de como ela o afeta, mas também pode ser adquirido por influência do meio. Por isso, sempre haverá preconceito, tamanha a diversidade da aparência e do comportamento humano. Eis aonde queria chegar: o problema não está no preconceito em si,   porque este decorre do direito ao livre pensamento, mas em não reconhecê-lo como tal. Quem não enxerga isso, acredita que existe mesmo algum fundamento científico, natural ou espiritual numa premissa tão inconsistente como a que sustenta todo pensamento preconceituoso. Ou seja, crê que seu preconceito não é preconceito, mas verdade real e absoluta. Assim nasce a discriminação, que é um crime repugnante. Nunca é demais lembrar que a prudente distância entre o que se pensa e o que se faz é um dos pilares da nossa evolução como espécie e, por isso mesmo, deve ser preservada para o bem de todos.

    

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O BEM E O MAL DO POLITICAMENTE CORRETO

Antes era chique ser politicamente correto. Hoje, como isso se tornou lugar- comum, mais chique ainda é ser contra o politicamente correto. Afinal, atitude é tudo, sempre foi, ainda que apenas retórica. No mundo real, longe da retórica, uma sociedade não costuma tolerar ações sem as respectivas responsabilidades. Por isso no cotidiano é assim:  contra o politicamente correto quando se é "pedra" e a favor, quando se é "janela". A meu ver, em termos práticos, o politicamente correto trouxe o bem da  possibilidade de se dizer não a antigos hábitos e transgressões sociais, antes toleradas ou até incentivadas. Todavia ao mesmo tempo trouxe o mal da sensação de constante policiamento, onde aparentemente nada pode ser dito ou feito sem que alguém grite ofendido. Liberdade, sim, mas permissiva ou vigiada? A sociedade tem se debatido com essa questão sem um consenso e convivido com exageros de parte a parte, o que é normal, porque é da essência humana a inconstância cíclica de seus próprios limites.



sexta-feira, 7 de outubro de 2011

"SÍNDROME DE MADRE TERESA"



Dar amor é difícil, principalmente a quem amamos. "Síndrome de Madre Teresa" poderia ser o nome do impulso que move alguém a dar amor a estranhos diante da dificuldade de dá-lo a quem ama ou, ainda, para preencher a lacuna do medo de se relacionar afetivamente. Mas amar estranhos abnegadamente não é bonito, benéfico e necessário? Sim, é tudo isso, mas na maioria das vezes também é uma fuga emocional. Explico: quem recebe esse amor, em regra pessoas carentes de afeto, saúde, comida, cuidados, atenção, não está em condição de cobrar nada além. O vínculo que une caridoso e carente é efêmero, porque nasce e morre a cada contato. Suas vidas não se misturam nem se confundem. É uma relação tão bela quanto desigual. Já nos relacionamentos afetivos e familiares, os vínculos são sólidos, contínuos, quase eternos e, não raro, confusos e muito desgastantes. A convivência mina diariamente nossas melhores intenções. Como disse, dar amor é difícil, principalmente a quem amamos: exige entrega, reciprocidade e responsabilidade. Por isso, da ótica emocional, distribuir amor assim de modo indistinto em larga escala será sempre uma tarefa menos árdua. Esses breves encontros entre abnegados e necessitados são a metáfora do amor ideal, onde um e outro dão o melhor de si, oferecendo mutuamente as melhores facetas. Há amor, sem dúvida, mas não há convivência nem intimidade, por isso funciona maravilhosamente.  

  

terça-feira, 4 de outubro de 2011

CASAMENTO GAY

Muitos são contra a legalização do casamento gay por julgá-lo ofensivo à família. Penso diferente. A motivação maior de um casamento é justamente o desejo de constituir uma família. Por isso a união de duas pessoas, ainda que do mesmo sexo, é sobretudo um voto de esperança e confiança na instituição da família. Não costumo idealizar nem demonizar pessoas. Para mim, uma família formada a partir de um casal gay não será melhor nem pior do que qualquer outra. Família é família, sempre um misto de paraíso e inferno. O mesmo vale para a criação de filhos. Ninguém é melhor pai ou mãe por conta de sua sexualidade. São departamentos distintos que não se confundem. Prejudicial às crianças é a falta de amor, educação, limites, escola, etc. Homossexualidade não é sinônimo de promiscuidade. Promíscuo é quem tem muitos parceiros, seja hetero ou homossexual. Entendo que um casal gay, por ser incomum, possa despertar curiosidade ou mesmo repulsa, mas é bom lembrar que a sexualidade individual não pertine à coletividade. Livre é a sociedade onde o direito triunfa sobre o preconceito, mesmo que o direito seja de poucos e o preconceito, de muitos.