quinta-feira, 28 de abril de 2011

Meus amigos do Café
















Desde há muito que meu interesse por pessoas independe da idade. Um tolo não deixará de ser tolo só porque o tempo passou. Pessoas são interessantes ou não. Não me convence também o argumento de que com a velhice vem a sabedoria, quer seja porque a experiência, como já li em algum lugar, é uma luz que ilumina para trás, quer seja porque, como disse, pode viver-se muito e aprender-se pouco. Nas manhãs de sábado tenho um compromisso: encontrar-me com meus amigos Oscar, Milton, Margarita e Juca no Exprèx Caffè da Santos Andrade. É assim há alguns anos e com muito gosto de minha parte. Lá conversamos sobre tudo, filosofia, política, religião, história, costumes etc, sem regras ou preconceito, só boa conversa. O Oscar é um intelectual na acepção da palavra, leitor ávido da história, e tão sério quanto gentil. O Milton é uma "figura", calmo, silencioso, sempre com um sorriso que une afabilidade com ironia. A Margarita é escritora e uma bem humorada contadora de casos escabrosos, sempre aberta para a vida. E, finalmente, o Juca, o Juca é um tipo memorável, culto, humor ácido, romântico, um grandalhão de coração absolutamente doce. Detalhe: todos são velhos. Dois na casa dos setenta e dois, na dos oitenta. E o que tem isso demais? Nada. Gosto deles porque são pessoas interessantes e, mais ainda, porque são meus amigos.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Casamento na realeza

Essa semana se realizará mais um casamento na família real inglesa e o mundo já está excitado, como se todos fossem convidados para a cerimônia que, como sempre, será de pompa e circunstância. Nada contra. Desde a Roma antiga se sabe que o povo não precisa só de pão, mas principalmente, e cada vez mais, de circo. Se a tradicional monarquia britânica não tem mais o poder político de outrora, tem ela, ainda, outro, tão grande quanto, que é o de personificar  contos de fadas, essas histórias emblemáticas que alimentam há séculos o gosto humano por beleza e encantamento. Mas todo conto que se preze tem a dicotomia entre o bem e o mal. E este, que se inicia agora, não será diferente, pois a mesma população que irá consumir extasiada toda a felicidade e beleza desse momento de união, logo estará ávida para consumir toda a eventual tristeza e intriga que puderem ter conhecimento deste mesmo casal aparentemente perfeito. Assim o casamento real poderá cumprir seu ciclo no imaginário de todos. Primeiro o encantamento, por conta da super exposição de sua vida rica e cheia de glamour. Depois a certeza de que isso é ilusão, porque todo casal, no fim das contas, é sempre um casal, repleto de sentimentos antagônicos, seja ele feito de nobres ou plebeus.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

O Filho do Homem



Quando morreste dependurado
Não poderias prever ou ter imaginado
O real tamanho do teu legado.
Clamaste por teu pai, já desesperado
Por que Ele tinha te abandonado
Tudo ruíra, tudo estava consumado
Teu destino, homem sem pecado
Com teu sangue fora selado.
Cumpriste o que lhe fora ordenado
Mas quem te ordenou? homem coitado
Quem te disse para ser flagelado?
Que eras um cordeiro a ser sacrificado?
Foi um pai ou padrasto malvado?
Foi um anjo ou o próprio diabo?
Quem te disse para nos salvar do pecado?
Teria sido Deus, teu pai idolatrado?
Ou apenas teu coração penalizado.
Viveste num tempo perturbado
Teu povo queria ser libertado
Concluíste que eras o messias tão esperado
Quem te disse isso? homem bem aventurado.
Tu, de fato, eras muito qualificado
Entendias o fraco e o marginalizado
Talvez foste o melhor ser gerado
Querias nos ver todos irmanados
Não aqui neste planeta conturbado
Mas num paraíso glorificado.
Viveste sozinho, não foste casado
Não tiveste filho nem afilhado
Não foste patrão nem empregado
Sequer provaste o gosto do pecado
Não te enquadraste, homem exilado.
Querias ver tudo mudado
Conforme haviam profetizado
Mas não percebeste, homem santificado
Que o homem não quer ser ajudado
Quer, sim, ver seus santos adorados
Para, depois, vê-los apedrejados.
Foste por um dos teus atraiçoado
Depois, julgado e condenado
Riram de ti enquanto eras assassinado
E sequer ficaste magoado
Tinhas um coração todo dourado
Mas terminaste crucificado
Morreste sozinho, homem fracassado.
Apesar do mundo continuar inalterado
Com o tempo foste revitalizado
Escreveram sobre o teu passado
Sobre cada parábola, cada milagre realizado
Disseram que havias ressuscitado
Passaste a ser o filho de Deus! homem mistificado.
O Império Romano, que tinha te ironizado
Tornava o teu dogma oficializado.
Mas tu exististe assim como contado?
Ou foste intencionalmente criado?
Um lindo conto para ser acreditado
Aquele que venceu a morte! homem idealizado.
Pergunto: até quando serás esperado?
Para o teu retorno tão aguardado
O dia que fundarás o teu reinado.
Pobres homens, pobres coitados
Esperam que um deus, um ser alado
Imponha-lhes a paz e o aprendizado
Que até hoje não puderam ver realizados
Até mesmo tu, homem esperado
Não poderás ver esse destino ser alterado
Porque esse reino dos céus, tão sonhado
Seria um arremedo, um reino falsificado
Porque não seria conquistado
Cairia dos céus, desabado
Como um decreto, por Deus firmado
Sobre todos os homens, humilhados.
Ah! Jesus de Nazaré, homem amado
Quiseste nos ajudar, foste bem intencionado
Mas tornaste o homem ainda mais resignado
Um consumidor ávido para ser explorado
Por teu nome tão comercializado.
Talvez fosse melhor que vivesses isolado
Sonhando com o que sempre tinhas sonhado
Sem nada nos ter ensinado.
Se apenas o discurso foi lapidado
Que tu, ao menos, homem iluminado
Tivesse um pouco da vida aproveitado
E talvez percebesse, homem endeusado
Que o bem e o mal, convivem lado a lado
Dentro deste nosso coração mal acabado
Porque a vida é desse jeito desajeitado.
E se a morte é um fato consumado
A vida é um tempo a ser experimentado
Neste mundo que é duro mas encantado
Onde nada se cria ou se perde: tudo é transformado.
É pena que não percebeste isso a tempo
Pobre homem enganado.

(Páscoa de 1997)


quarta-feira, 13 de abril de 2011

Cristo e os eunucos


O desejo homossexual nasce com o indivíduo ou é adquirido em face de circunstâncias psico-sociais? Alheios a essa questão, porém, muitos ainda julgam-no uma mera perversão do comportamento natural. As religiões, em regra, vêem esse desejo como um pecado, uma abominação, para  algumas passível de "cura espiritual", para outras, mais radicais, não há perdão. Mas o que Cristo pensava sobre isso? O texto contido em Mateus, capítulo 19, versículo 12, que finaliza a abordagem sobre o casamento, induz a pensar que Jesus via na ausência de desejo de homens por mulheres um fato natural: "Porque há eunucos que nasceram assim; e há eunucos que pelos homens foram feitos tais; e outros há que a si mesmos se fizeram eunucos por causa do reino dos céus. Quem puder aceitar isso, aceite-o." Interpretando-se de trás para frente: primeiro, "eunucos por causa do reino do céus", os que, como ele próprio, sufocam o desejo sexual abraçando a causa religiosa; segundo, "eunucos por causa dos homens", os escravos castrados por prática cruel provavelmente extinta; e terceiro, "eunucos que assim nasceram", ou seja, os homossexuais, que não têm desejo pelo sexo oposto. Penso não caber outra interpretação, quer seja por não haver ser humano assexuado, quer seja pelo desejo sexual ser um impulso instintivo que pode até ser sublimado, mas jamais ceifado.   Não quero dizer que Cristo fez uma apologia à homossexualidade, e sim que ele, numa lição de tolerância, julgava natural o fato de que nem todos têm desejo pelo sexo oposto. "Quem puder aceitar isso, aceite-o." 

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Silêncio


Não há explicação para o massacre ocorrido ontem no Rio de Janeiro. Ou melhor, não há aceitação, porque o assassino deveria ser mesmo um psicopata dotado de absurda frustração sexual, tanto por matar quase só meninas, quanto por sua carta infame alardear sobre sua "pureza". O que está por trás de uma tragédia coletiva dessa natureza senão a maximização do horror da morte diante da fragilidade da vida? Essa perplexidade e angústia de que tudo pode se perder de um instante para outro, ainda mais quando a tragédia acontece num ambiente lúdico e aparentemente seguro como uma escola. Reflito, porém, se a dor dos pais dessas crianças seria maior do que a daqueles cujos filhos foram vitimados por tragédias individuais, os inúmeros que morrem sem a pirotecnia de um assassinato em massa, mas que, mesmo assim, por doença, acidente ou mesmo tiro, acabam também numa gélida e solitária sepultura. Morte é sempre morte. Não há consolo. Não há remédio.Termino com o silêncio: não há palavra que exprima mais.

 

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Deus e as repartições públicas


Não é de hoje que se tenta judicialmente retirar das repartições públicas os símbolos religiosos. Essas ações, impopulares, estão sempre fadadas ao fracasso, ainda que o Estado laico, desvinculado de crenças religiosas, seja uma garantia constitucional. Sim, o deus cristão representa a fé da maioria dos brasileiros, mas não a de todos e só essa constatação já seria motivo para que crucifixos e bíblias deixassem de figurar nos ambientes públicos. A religião não precisa ser de todos, pois existe a liberdade de crença e  de descrença, mas o Estado sim, este deve ser de todos, indistintamente. É preciso, antes, enxergar o real motivo de tais símbolos estarem onde estão. Não, não é apenas porque arraigados à cultura brasileira. Eles têm outra missão, nada louvável, que é dar aspecto sagrado, iluminado e ungido às repartições públicas, desde às mais singelas até aos plenários mais suntuosos. Desse modo, tem-se a impressão de que os agentes públicos agem inspirados por deus, no caso o deus das religiões cristãs. Símbolos se prestam sobretudo à hipocrisia humana e, por essa razão, qualquer discussão sobre esse assunto, jurídica ou não, servirá somente de palco para os hipócritas, pois os símbolos continuarão lá, “abençoando” a todos aqueles que procurarem o Estado, quer estes queiram ou não.


P.S.: A presidente Dilma Rousseff retirou de seu gabinete o crucifixo da parede e a bíblia de cima da mesa: ponto para a liberdade democrática!