domingo, 31 de julho de 2011

FORMANDOS INFANTIS

Há muito que não ia a uma cerimônia de colação de grau universitário. Eis que sexta-feira fui. Como se tratava do curso de direito, inevitável foi a lembrança da minha, ocorrida há vinte anos no mesmo local. Inevitável também foi a comparação. A solenidade deixou de ser solene; é agora um show, organizado, cheio de luz e cores. No púlpito, os formandos faziam as homenagens em duplas, lembrando mais a entrega de prêmios musicais do que uma escola de direito, onde a oratória deve, ou deveria, ser um dos pontos altos. Até mesmo o discurso do orador da turma foi feito em dupla. Minha esperança era que o discurso do paraninfo colocasse tudo em outra perspectiva. Mas não, embora crítico, culto e reflexivo, faltava-lhe a retórica e o carisma. Para piorar, durante sua fala, uma câmera passeou entre os graduandos que, incontidos, interagiam com a plateia através do telão, fazendo gestos engraçadinhos. O público,  em resposta, soltava risos sonoros, ignorando o professor homenageado. Eis uma das facetas dessa geração:  parecer descolado diante de uma câmera sem medo de parecer apenas mal educado. A exibição de fotos dos formandos quando crianças, na homenagem aos pais, remeteu-me a uma formatura de jardim de infância, onde pais são igualmente presenteados com as gracinhas de seus pimpolhos. Uma coisa me pareceu certa: as formaturas de outrora eram menos apoteóticas, mas eram mais adultas. A certa altura, o inaudito paraninfo falou que aqueles formandos representam o progresso da humanidade. Talvez. Mas foi a única hora que tive vontade de rir.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

CRER OU NÃO CRER: EIS A QUESTÃO

A frase do título, inspirada na proposição de Shakespeare, induz pensar que crer ou não em Deus seria fruto de uma escolha consciente em face da conjuntura do universo. Nada mais equivocado. Não é opção; é consequência. Por trás da racionalidade humana está o desamparo, incólume e intangível, motivado pela sina de se ter consciência num mundo caótico. A existência de Deus, obviamente, seria a antítese para esse mesmo caos. Mas esse desamparo não se limita à questão existencial universal, isso porque intimamente ligado às questões existenciais de caráter individual. Insere-se aí o   resultado das relações primárias da infância, quando as necessidades são satisfeitas ou frustradas visceralmente. Por essa razão, tais sensações permanecem por toda vida. Assim, a crença ou a descrença será, em parte, resultado da imitação, negação, frustração, aprovação, carência ou outro sentimento assim permeado. Mas só em parte,  porque somos seres individuais e reagimos emocionalmente também de modo individual em face da vida, inclusive com a capacidade de seguir em frente. Assim, crer ou não crer em Deus não depende de uma conversão, e sim de uma combinação específica de emoções, independente de qualquer convencimento racional. Mas não nos enganemos, com ou sem fé, em maior ou menor proporção, sempre haverá o desamparo.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

TOLERÂNCIA COM O MAL

Outro dia escrevi nesse grande espelho virtual que é o facebook o seguinte: só toleramos o que inconscientemente aprovamos. Aprofundo meu humilde aforismo, começando com um exemplo: nossa tolerância com a bandalheira da vida pública brasileira. Só mesmo uma aprovação inconsciente em massa justificaria essa inesgotável tolerância. Mas não quero falar do nosso povo, amante inconfesso da corrupção, ainda que pequena, daquela que não faz mal a ninguém... Por que toleramos o que nos prejudica? Auto-sabotagem. Sim, evidentemente, mas não apenas isso. Acalentamos, todos, desejos inconfessáveis e, por essa razão, inconscientes. O filho que maltrata a mãe encontra nela a aprovação de sua conduta infame. Seja porque ela mesma se julga intimamente merecedora ou, ainda, porque ele ocupa o papel neurótico e conveniente de vilão. Dinâmica semelhante se dá nas relações familiares com alcoólicos, drogados, revoltados etc. É a velha dicotomia do bem contra o mal, que se presta a uma superficial e falsa auto-definição. Se alguém me causa o mal é porque, por exclusão, sou do bem. Seria demais para aquela pobre e vitimizada mãe assumir que alguma vez tenha desejado agredir seus próprios pais ou mesmo transgredir normas de conduta moral e social. Seu desejo reprimido é, portanto, realizado pelo filho, daí sua tolerância. Ou seja, até no clássico padecimento materno está presente o mal. Definir o bem e o mal: eis uma tarefa difícil, absolutamente necessária, mas fadada sempre ao fracasso.




segunda-feira, 18 de julho de 2011

SEJA FELIZ, MEU FILHO!

A mensagem passada de pais para filhos muda com o tempo. A geração de meus pais, por exemplo, recebeu a seguinte: Trabalhem! Não há futuro para quem não trabalha. Diziam isso, talvez, por acharem que não trabalharam o suficiente. A minha geração recebeu outra: Estudem! Não há futuro sem um diploma universitário. Isso porque aquela geração sentia que poderia ter ido mais longe na vida se tivesse graduação superior. Como se vê, é a frustração de uma geração que irá nortear o tipo de mensagem que a próxima receberá. E qual a mensagem que fica para a nova geração? Antes, porém, é preciso dizer que os pais atuais sentem-se frustrados porque a vida tecnológica não trouxe a felicidade prometida. Assim, perplexos e sem rumo, tentam desesperadamente  prover seus filhos de qualquer necessidade física ou emocional, numa débil tentativa de protegê-los dessa vida real e sem sentido que tanto os atormenta. Nesse contexto, conclui-se que a mensagem de hoje é bela porém absolutamente vazia: Seja feliz, meu filho! Faça só o que te dá prazer. Uma mensagem tão cínica e cruel como essa só poderia resultar numa geração ainda mais perdida, mais sem rumo, com jovens infantilizados que passam a maior parte do tempo anestesiados na frente de seus eletrônicos de ponta, mas que sabem pouco, muito pouco, da vida como ela é.






quarta-feira, 13 de julho de 2011

WOODY ALLEN


Enquanto assistia ontem pela segunda vez ao encantador "Meia-noite em Paris" constatei o óbvio: o personagem principal da trama, Gil Pender, não é outro senão o próprio Woody Allen. Estão lá os trejeitos, o ritmo da fala, o olhar, o figurino e, sobretudo, os desejos e as angústias do diretor. O filme, um divã cinematográfico, é a história de um roteirista de Hollywood que tem sucesso profissional, mas se sente frustrado por não ser um romancista em Paris. Talvez Woody se sentisse mais realizado, e assim mais valorizado por si próprio, sendo um grande escritor do que um grande roteirista/diretor, como se o cinema fosse uma arte menor do que a literatura. Mais ainda: sua insatisfação não se limita à escolha profissional e ao local onde mora, mas também ao tempo em que vive, na eterna romantização de um passado glorioso, as "eras de ouro" que nunca existem no tempo presente. Mas eis que, depois de muito caminhar perdido fisica e emocionalmente pela noite de Paris, Gil Pender tem um insight salvador de que a vida, de uma forma ou de outra, é sempre insatisfatória e que as escolhas que fazemos são sempre válidas porque são reais. Na verdade, ao olhar para trás, questionamos nossas decisões por referências diversas daquelas percebidas no momento  da decisão. Porém a hora crucial não é o passado mas o presente, quando temos que decidir. Por essa razão  norteamo-nos mais por referências reais do que ilusórias. Agimos assim por conta do nosso instinto de auto-preservação. Depois disso, liberto de seus fantasmas, tal qual Gil Pender, Woody Allen pode agora caminhar pela noite chuvosa de Paris, muito mais leve por ser simplesmente quem de fato ele é.