sexta-feira, 21 de outubro de 2011

MEU VIZINHO MORREU NO JARDIM

Um sol radioso iluminava a manhã. Era sábado.  Preguiçoso, eu  lia um livro confortavelmente instalado em minha casa. Foi quando tudo aconteceu. Primeiro o grito, depois o choro, ambos femininos, vindos de um quintal vizinho, a duas casas da minha.  O socorro veio em seguida, um corre-corre danado. Mais lamentações. Como nada se pode fazer,  acabaram por levá-lo, desoladamente inerte numa maca. Assisti a tudo, impotente. Eis o fato: meu vizinho morreu de um modo rápido, fulminante, cuidando do seu jardim. Passado o choque e a perplexidade, pensei na dignidade e na beleza daquela doce morte domiciliar. Sim, doce, porque a morte lhe veio como a visita de uma velha amiga: sem alarde, sem susto, sem sangue, sem dor, sem hospital, sem tubos, sem cortes, sem tiro, sem terror. Foi triste, é verdade, como toda morte. Mas a tristeza é um sentimento nobre e nela cabe a poesia. No mesmo jardim, mais tarde, novamente pairava o silêncio de uma manhã que, alheia, continuava luminosa e bela. Até hoje não sei o nome do meu vizinho, mas sei que ele morreu em casa, com as mãos sujas de terra, entre suas plantas e suas flores, sem lágrimas e sem adeus. Dorival Caymmi disse que é doce morrer no mar. Naquela manhã vi que também é doce morrer no jardim.



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