terça-feira, 29 de maio de 2012

O HOMEM NO DIVÃ


A busca neurótica pela adequação do padrão comportamental de macho-bruto gera desajustes sociais e psicológicos. Homens, brutos ou não, são em regra angustiados por se sentirem compelidos a provar incessantemente sua masculinidade. Eis a sua recorrente reflexão: sou homem o bastante? E isso ganha realce quando analisamos duas fantasias típicas do imaginário masculino e seus possíveis conteúdos ocultos: sodomia, que bem pode ser o desejo disfarçado pela inversão, e o voyeurismo da relação sexual entre duas mulheres, que pode ser, por sua vez, uma projeção do próprio desejo homossexual. O fato é que há o desconforto do homem em relação ao imutável papel de macho-dominante, o que é sobretudo frustrante porque confinar qualquer indivíduo a um único padrão de comportamento é negar toda complexidade da condição humana.


Extraído do livro "O óbvio".

terça-feira, 22 de maio de 2012

A LEVEZA E O PESO DO SER


A leveza do ser é utópica. Atingi-la demandaria perder a noção do tempo, apagar lembranças, desfazer laços afetivos. Tudo para manter o coração leve, sem nenhuma inquietação, medo, alegria, prazer ou tristeza. Leveza reclama, portanto, não sofrer da angústia que é estar vivo. Ou por outra: para ter a leveza do ser seria preciso, antes, não ser. O contraponto dessa leveza é justamente o peso da existência. Viver é sempre uma experiência esmagadoramente pesada. Somos tão contraditórios e complexos quanto o mundo em que vivemos. Temos em nosso código genético as sensações do inferno e do paraíso. Somos alegres porque também somos tristes; felizes porque também somos infelizes; generosos porque também somos mesquinhos; e assim por diante. Não há como fugir desses antagonismos, não dá para separar uma coisa da outra. Não dá para ser leve sem ser pesado. Contradições, contradições... Não há sabedoria nem ilusão que nos redima delas.


Extraído do livro "O óbvio".

terça-feira, 15 de maio de 2012

SOB O SIGNO DA SOLIDÃO


São duas as solidões humanas: a emocional e a existencial. Enquanto a primeira é uma condição circunstancial, a segunda é um destino inevitável. Solidão emocional decorre da ausência de relacionamentos interpessoais afetivos ou da ineficácia dos mesmos, isto é, quando esses não atendem à sua finalidade psíquica, que é a troca de emoções. É por isso emocional e não física propriamente. Já solidão existencial é um estado natural, mas em regra visto com assombro porque mostra que, no fim das contas, estamos inapelavelmente sós no mundo. E isso realmente assusta. Em consequência, surgem crenças, ansiedades e fobias, que fazem com que a mente mantenha-se ininterruptamente ocupada para fugir dessa inexorável realidade. Contudo, paradoxalmente, a solidão existencial pode ser um alento, um porto seguro, pois é o único espaço onde reinamos absolutos e maravilhosamente sós.


Extraído de meu livro "O óbvio".

terça-feira, 8 de maio de 2012

NÃO QUERO MORRER HOJE

Não quero morrer hoje, nem nunca. Gosto de viver, sobretudo por mim mesmo. Digo isso porque minha existência, apesar de muito amada por quem me cerca, não é imprescindível, nem mesmo para meus filhos, hoje adolescentes. Muitos desejam que a morte venha somente depois dos filhos estarem devidamente encaminhados. Ocorre que a vida não oferece certeza nem estabilidade. Penso que o único encaminhamento que pais podem (e devem) proporcionar a seus filhos é o de uma boa educação. Ou, por outra: a necessidade da presença física dos pais se esgota muito cedo na vida dos filhos, sejam eles bem ou mal educados. Tal afirmação, porém, se contrapõe a dois comportamentos corriqueiros: tentar compensar materialmente lacunas emocionais e tentar eternizar a dependência filial como propósito único de vida. Como disse, não quero morrer hoje, mas, se morrer, penso já ter dado a meus filhos as ferramentas mentais e emocionais para que construam seu próprio caminho. Agora, se irão de fato usá-las isso já não dependerá de mim.