sexta-feira, 27 de abril de 2012

COTAS DA HUMILHAÇÃO


Dívida social e desigualdade social seriam as justificativas para a existência das cotas raciais que garantem a negros e pardos parte das vagas das universidades públicas. Da pobreza fazem parte indistintamente brancos, negros, pardos, etc, logo as cotas não se justificam sob esse aspecto. Mas e a dívida social que os brancos têm com os negros? Realmente a escravidão é uma página nefasta da história, mas também irreparável. Isso porque tanto os que a promoveram quanto os que a sofreram já estão mortos há muito tempo. Penso que a forma mais digna de se honrar a memória dos antigos escravos seja justamente garantir a igualdade racial a seus descendentes. Eis o ponto aonde queria chegar. Racismo não é justamente decidir algo comum a todos pelo critério míope da cor da pele? O que seriam as cotas então, racismo do bem? Racismo é racismo, sempre. Esse sistema não é uma conquista, mas um retrocesso. E, bem analisando, é perverso justamente com quem se pretende beneficiar, porque lhe retira a possibilidade do mérito sem a humilhante caridade legal. 

terça-feira, 24 de abril de 2012

ALIANÇA


Foi um acidente de carro que matou sua mulher. Desesperou-se. Como viveria sem ela? Muito companheiros e dependentes um do outro, assim eram felizes, mesmo com as rusgas cotidianas. No velório viram que a morta ainda estava com a aliança de casamento. Alguém recomendou tirá-la. Olharam na sua direção, mas como ele, entorpecido de dor, não disse nem sim nem não, tiraram-na do dedo anelar esquerdo, onde esteve por quarenta anos. Quarenta anos, uma vida!, disse-lhe um homem cuja identidade lhe escapara por completo  no momento. Quando fecharam o caixão na sepultura, ele, indignado: eu não posso deixá-la aqui sozinha! O irmão se aproximou pegando em seu braço: ela já está em outro lugar, muito melhor do que a gente. Ele não respondeu nada, mas duvidou. Veio a noite e, deitado na cama ainda com a roupa do enterro, sentiu todo o peso da solidão. Resolveu sair. Depois de rodar a cidade, acabou indo ao cemitério. Deu um trocado ao vigia e entrou. Defronte ao jazigo da mulher, disse: amor, não consegui dormir sem você. Olha só, eu trouxe a sua aliança...

Do livro "As coisas que chamamos de nossas".

terça-feira, 17 de abril de 2012

VOCÊ É O QUE VOCÊ FAZ

Quem sou eu?, é a pergunta que se tem feito ao longo da história. Tão instigante quanto é a busca por sua resposta. A proposição de Shakespeare: "Ser ou não ser: eis a questão" dá perspectiva à dificuldade de ser o que se é. Na mesma linha, Nietzsche recomenda: "Torna-te quem tu és!", deixando implícita, também, a dificuldade que isso demanda. Como se vê, a resposta no plano filosófico/psicológico é sempre ampla e subjetiva. Mas para a sociedade, em especial para a lei, a resposta, ao contrário, deve ser restrita e objetiva. Isso porque sabiamente a lei regula a conduta humana a partir de seus atos e não da identidade de quem os pratica. Um pai de família, um padre, um comerciante, um prefeito, um militar, enfim qualquer pessoa que, por exemplo, mata outra será antes de tudo um homicida. Por essa razão a sociedade tem se debatido para extinguir ou ao menos restringir injustificáveis privilégios que a lei ainda concede anacronicamente em razão da pessoa. A subjetividade do ser é campo fértil para a filosofia e para a psicologia. Para a lei, contudo, a regra é simples e clara: você é o que você faz. 

segunda-feira, 9 de abril de 2012

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA


O amor que o povo norte-americano tem por seu país se materializa não apenas nos símbolos da pátria, mas também na tradição de garantir seus direitos e liberdades individuais. Lá, a democracia se manteve intacta ao longo da história justamente porque a liberdade é tida como um bem inegociável e irrenunciável. Ou seja, são cultuados sobretudo símbolos e direitos; não pessoas. Diferentemente, os povos latino-americanos, por sua ignorância, herança maior das colonizações espanhola e portuguesa, historicamente têm se deixado seduzir pelo culto da personalidade política. Não foram poucos os ditadores, os populistas, os "pais dos pobres", enfim, uma infinidade de figuras grotescas cuja vaidade e ganância sempre puseram em segundo plano o próprio país e, bem mais abaixo, os direitos e as liberdades individuais de seus cidadãos. Direitos e liberdades, aliás, que já foram muitas vezes covardemente aviltados, sempre com o apoio silencioso e alienado da maioria.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

APRENDER PARA ESQUECER

Professores pensam que ensinam; alunos pensam que aprendem. Para que o ensino seja mais efetivo e qualificado penso ser necessária uma reforma em seu conteúdo, tornando-o mais flexível, enxuto e pragmático. Sim, há disciplinas que devem ser ensinadas à exaustão, como língua portuguesa (e inglesa), história, filosofia, lógica e geografia, pois pensar bem, comunicar-se bem e situar-se no tempo e no espaço, mais que direito, é necessidade. Mas outras, como matemática, física, biologia, etc, deveriam limitar-se a conceitos básicos, justamente para fixar a sua compreensão. O aprofundamento dessas disciplinas seria facultado àqueles que demonstrassem pendor e interesse. Outra coisa: não é estranho o computador estar em todos os lugares menos na sala de aula? Lá, e apenas lá, a escrita manuscrita ainda reina absoluta. A propósito, por que não se ensina digitação na escola? Tudo muda o tempo todo (e cada vez mais rapidamente), mas esse modelo escolar ineficaz é o mesmo há mais de século. É aprender para esquecer.