terça-feira, 24 de abril de 2012

ALIANÇA


Foi um acidente de carro que matou sua mulher. Desesperou-se. Como viveria sem ela? Muito companheiros e dependentes um do outro, assim eram felizes, mesmo com as rusgas cotidianas. No velório viram que a morta ainda estava com a aliança de casamento. Alguém recomendou tirá-la. Olharam na sua direção, mas como ele, entorpecido de dor, não disse nem sim nem não, tiraram-na do dedo anelar esquerdo, onde esteve por quarenta anos. Quarenta anos, uma vida!, disse-lhe um homem cuja identidade lhe escapara por completo  no momento. Quando fecharam o caixão na sepultura, ele, indignado: eu não posso deixá-la aqui sozinha! O irmão se aproximou pegando em seu braço: ela já está em outro lugar, muito melhor do que a gente. Ele não respondeu nada, mas duvidou. Veio a noite e, deitado na cama ainda com a roupa do enterro, sentiu todo o peso da solidão. Resolveu sair. Depois de rodar a cidade, acabou indo ao cemitério. Deu um trocado ao vigia e entrou. Defronte ao jazigo da mulher, disse: amor, não consegui dormir sem você. Olha só, eu trouxe a sua aliança...

Do livro "As coisas que chamamos de nossas".

2 comentários:

  1. Olá Meu amigo!
    Passei pela mesma situação quando ainda jovem,com meus vinte poucos anos,apenas tres anos de casados,com um filho de apenas nove meses.Este hoje casado,que me dará um neto agora em setembro.
    Naquela tarde... não tem como esquecer...a médica pede para tirar sua aliança, porque ia entrar para UTI,e todos ali olharam pra mim,deixando este penoso ato,que por fração de segundos vem a sua mente a imagem do dia que a colocou, e para ali... não mais voltou.
    Aprendi que por mais que se recomeçe,por mais que se viva feliz,assim como tal sou hoje,ninguém substitui ninguém...cada pessoa é unica,cada pessoa tem o seu jeito de ser...enfim...ficam as lembranças,mas... são COISAS QUE CHAMO DE MINHAS
    Abraços

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  2. Tocante, Poleto, profundamente tocante. A minha história é uma ficção, embora motivada por um sentimento verdadeiro. Você viveu isso e, por isso, é uma coisa que você pode literalmente chamar de sua. Obrigado por dividir isso comigo. Abraço grande.

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