sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

AH! NO MEU TEMPO...

Acho chato dizer que a infância do passado era mágica porque era simples. Toda infância é mágica, porque nela há sempre otimismo e imaginação suficientes para colorir qualquer realidade. Isso não tem nada a ver com simplicidade. Aliás, esse enaltecimento do passado tenta sempre desmerecer o presente. Ah, mas as crianças de hoje são consumistas e insatisfeitas! Sim, reflexos que são dos adultos, igualmente consumistas e insatisfeitos. Mas o que eu quero dizer mesmo é que, sim, fui feliz na infância brincando de futebol de botão e de bolinha de gude. Agora que seria legal se naquela época tivesse playstation, seria.



segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

MICROCONTO DE NATAL

Trinta anos, barbudo e cabeludo, ouve a mãe, que abre a cortina: ô meu filho!, teu pai lá na marcenaria e tu aí dormindo, levanta, cai no mundo, vai fazer alguma coisa desta tua vida!



sexta-feira, 29 de novembro de 2013

MICROCONTO

Inimigos eternos, Deus e o Diabo. Mas só até às seis. Depois, no bar: cerveja, petisco e truco. Juntos, dizem, são imbatíveis.



domingo, 24 de novembro de 2013

A FELICIDADE E O QUARTO DE HOTEL

Tínhamos reservado um apartamento no Costão do Santinho da ala chamada de vila. Como minha mulher tinha sofrido uma trombose havia pouco tempo, pedi que nos instalássemos num local de fácil mobilidade. Lá chegando fomos brindados com um upgrade para a ala internacional. Mas não era só. Quando entramos no apartamento, belíssimo, enorme e de frente para o mar, tive a impressão de haver um grande espelho na sala. Não era espelho, e sim outro apartamento, idêntico, só para as crianças. Nisso tocou o telefone. Olhei para a Marion rindo, certo de que deveria ser da recepção dizendo que tudo foi um engano. De fato, era mesmo da recepção, mas apenas para perguntar se tudo estava a contento. Minha vida tem sido assim: um maravilhoso apartamento duplo de frente para o mar. Mas confesso a constante sensação de espera do telefonema a me dizer que tudo não passou de um engano. Pensando bem, talvez essa sensação de equívoco, de não merecimento, de frágil impermanência, é que me faz desfrutar de tudo com a maior intensidade possível.


sexta-feira, 22 de novembro de 2013

EDUCAR DÁ TRABALHO

Faz sucesso no Facebook um post do pai que calcula a mesada dos filhos através de uma extensa tabela comportamental (link abaixo). Ele parte do valor de R$50,00 e vai descontando a cada falta cometida. Não fez a tarefa? R$1,00 a menos. Brigou, bateu, ofendeu?, lá se vão mais R$2,00. Desobedecer aos pais sai mais caro: R$3,00. Não gosto da ideia. Primeiro porque não acredito na sua eficácia. Depois porque trocar dinheiro por bom comportamento não me parece algo distante da corrupção. Quer dar mesada aos filhos para que aprendam a lidar com dinheiro? Ótimo. Mas acho duvidoso utilizá-la como ferramenta de educação. Uma criança deve aprender a se comportar bem, tanto em casa quanto na escola, porque esse é o correto, o normal, o que dela se espera. E não há simplificação: educar filhos dá trabalho. É preciso perseverança, paciência e vigilância. Além, é claro, de bons exemplos.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

AS DORES DA VIDA

Há muito tempo eu tinha uma mania tosca. Quando na sala de espera para um exame de sangue, beliscava o próprio braço. Fazia isso no intuito de me preparar para a agulhada que, aliás, doía sempre bem menos. Depois deixei de fazer isso, não apenas por ser uma grande tolice, mas principalmente porque percebi que sofrer por antecipação não me socorreria da dor que por ventura sentisse na hora da coleta do sangue. Por isso desconfio do senso comum que recomenda doses educacionais de sofrimento para se estar preparado diante das agruras da vida. Não vejo dessa forma. Acho que a vida traz, de um jeito ou de outro, sofrimento para todos. E não adianta: sempre haverá dor, independentemente de qualquer preparo.


quarta-feira, 30 de outubro de 2013

PESSOAS "DO BEM"

A história mostra o que acontece quando as pessoas "do bem" resolvem agir por conta própria. A lista de violências e atrocidades é longa. Mas não é bom ser do bem? Sim e não. Sim, porque não querer fazer o mal é bom. E não, porque quem se acha "do bem" sempre pratica males para fazer prevalecer a sua ideia do que seja o bem.  Se quem pratica o mal o faz numa atitude assumidamente egoísta, quem pratica o mal em nome do bem o faz hipocritamente em nome da coletividade. Na verdade, faz isso para alimentar seu impulso violento. A coletividade é só uma desculpa elaborada. Acreditar que os fins justificam os meios é um grande equívoco, principalmente porque são os meios, e não os fins, que acabam revelando quem de fato somos.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

AUSÊNCIA DE NOVAS POSTAGENS

Estou escrevendo um romance, que tem me absorvido em demasia. Por essa razão, peço desculpas aos eventuais leitores deste blog diante da ausência de novas postagens. Espero brevemente retomar o ritmo habitual.  


quarta-feira, 10 de abril de 2013

terça-feira, 9 de abril de 2013

COMO TORNAR ALGUÉM HOMOSSEXUAL?


Dizem que as crianças devem ser protegidas do "mau exemplo" da homossexualidade, pois esse contato poderia influenciá-las negativamente ou mesmo induzi-las a tal prática. Bobagem. Proponho o pensamento inverso: como tornar alguém homossexual? Ninguém é capaz de tal proeza. Isso porque a sexualidade está além da nossa vã vontade. Educação, caráter e cidadania está sim ao alcance (e dever) de um pai e da sociedade como um todo: a sexualidade, não. Não se sabe ao certo os fatores que determinam a sexualidade humana (até que ponto ela é psicológica, emocional ou mesmo biológica), mas sei que o simples contato com a existência da homossexualidade não torna ninguém homossexual. 


quinta-feira, 21 de março de 2013

A SEPARAÇÃO DOS FILHOS

Coincidentemente Contardo Calligaris escreve hoje na Folha de S. Paulo sobre assunto que pensei nessa semana: o desejo de fugir de casa. De certo modo a relação entre pais e filhos adolescentes se assemelha à de um casal que pressente a separação. Sair de casa é desejo nutrido tanto por adolescentes quanto cônjuges frustrados. Filhos precisam e anseiam descobrir como é viver sem os pais, pois a presença paternal é sempre opressora, tanto para o bem quanto para o mal. Esse processo, todavia, não precisa nem deve ser repentino e, menos ainda, drástico. Precisa, sim, ser constante e irreversível. Nossos desejos em relação a quem amamos são numa parte bons e saudáveis, mas, em outra, maus e neuróticos. Enxergar isso, porém, nunca é tarefa fácil. 

segunda-feira, 18 de março de 2013

domingo, 17 de março de 2013

PRIVILÉGIOS


Privilégios decorrentes da lei são sempre nocivos ao caráter humano. 

Se conferidos aos mais fortes, estes se sentirão ainda mais superiores. 

Se conferidos aos mais fracos, estes se sentirão ainda mais inferiores.




sábado, 23 de fevereiro de 2013

GAITA


Tinha mulher e três filhas, meninas ainda, para quem tocava doces melodias em sua gaita de boca, quando um dia, no trânsito, bateu de leve no pára-choque traseiro do carro da frente. Era uma situação simples de ser contornada, mas não foi. O outro motorista, armado, saltou do carro em fúria. Ninguém soube se por acaso, como concluiu o Tribunal do Júri que o inocentou mais tarde, ou se por querer mesmo, a arma foi disparada. Ele caiu na rua, atingido mortalmente na cabeça, bem na frente da família que o aguardava no carro. O pai, que nunca se conformou com a morte cretina do filho, esperou o tempo passar para numa noite sequestrar o assassino, levando-o até um cemitério. Tinha numa mão um revólver e na outra a gaita do filho que jazia na sepultura diante deles. Encolhido no chão, o rapaz implorou pela própria vida. Eu vou te uma chance, seu merda!, disse o velho. O assassino viu uma esperança. Toca a gaita! O quêToca a gaita! Eu não sei tocar, porra! Toca a porra dessa gaita! Meu filho, aquele que você matou, adorava o som dessa gaita. Então toca ela! Se ele levantar da cova, eu te deixo ir embora. O outro chorou alto de pavor.


(extraído do livro de contos "As coisas que chamamos de nossas")

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

OS TRÊS DESEJOS


Se um gênio da lâmpada nos oferecesse a realização de três desejos penso que, excluindo-se o de ter saúde, que é um desejo tão premente quanto sem graça, a maioria iria pedir: dinheiro, fama e felicidade. Veja-se que o gênio sempre oferece capciosamente a satisfação de desejos e não de necessidades. Eis aí o perigo: desejo nem sempre é necessidade. Ou melhor: em regra, desejo é um disfarce de uma necessidade vil ou torpe. Desejo por dinheiro e fama, por exemplo, é apenas sintoma da nossa falta de felicidade ou, mais precisamente, da nossa precária condição emocional. Por trás deles, na verdade, está a necessidade de poder e de aceitação. Afinal, vive-se bem com pouco dinheiro e com fama nenhuma. Complicado. Talvez fosse melhor usar a tal lâmpada apenas como adorno de decoração. 


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

AMIZADES VIRTUAIS


Amizades virtuais são, em regra, superficiais, limitadas, rápidas, descompromissadas e, por isso tudo, ótimas. Penso ser equivocada a comparação entre uma amizade do mundo virtual com outra do mundo real pelo simples motivo de que são coisas diferentes, tanto na essência quanto no objetivo. Isso não impede, porém, que em certos casos elas possam ser complementares uma da outra. Aliás, a virtualidade aumentou a quantidade e a intensidade de nossa interação social. Mas não melhorou a qualidade. Normal. Afinal nossas manifestações apenas expressam o que somos ou o que gostaríamos de ser. Nada obstante, por outro lado, há os que veem a virtualidade das relações como uma regressão. Normal também. Afinal sempre há os saudosistas de um passado maravilhoso que nunca existiu. 



domingo, 27 de janeiro de 2013

O PRECONCEITO NA FICÇÃO


Nada mais equivocado que reputar preconceituoso o autor de obra ou personagem preconceituosa. É equivocado pensar, por exemplo, que uma obra faz apologia ao racismo porque há nela personagem racista. É o mesmo que ver apologia ao homicídio quando numa trama há assassinato. Seria o fim da literatura, do cinema, do teatro, da televisão, se todos os enredos e personagens fossem politicamente corretos. Se não há conflito não há drama. E se não há drama não há história. Ao contrário do que pensam os hipócritas protetores de plantão, o público sabe discernir a ficção da realidade, por mais que uma seja reflexo da outra. Aliás, a verdadeira arte não tem a pretensão de educar nem de dizer o que é certo.


terça-feira, 22 de janeiro de 2013

AS CRIANÇAS QUE SE VÃO


Toda criança morre um dia. Morre porque cresce. Não falo do espírito infantil, que se pode manter vivo para o bem, com a capacidade de se encantar, ou para o mal, com a incapacidade de amadurecer. Falo de outra coisa, do fato de que na vida se é criança por apenas alguns anos e adulto por todos os demais. Desde cedo fingimos não notar que viver significa mudar e que mudar significa morrer. Não gostamos de ver isso por causa da angústia que a morte nos causa. Assim desejamos ver a morte como bem queremos. Mas só se entende a vida quando se aceita a morte como de fato ela é.



domingo, 13 de janeiro de 2013

O DEUS DESNECESSÁRIO


Ser e se fazer necessário é algo essencialmente humano. O bom pai sabe-se necessário ao filho apenas por certo tempo. Já o que se faz sempre necessário é um mau pai. Ele não deseja a independência do filho, pois tal necessidade confere um sentido à sua existência. É, portanto, a sua carência afetiva que faz com que ele deseje ser sempre essencial à vida do filho. Então, pelo mesmo motivo, se existe um Deus ele há de ser desnecessário ao homem. Até entendo que o homem, diante de sua precária condição existencial, se socorra da ideia de um Deus-pai-protetor. O que não acredito é num Deus que se preste a esse papel. Seria humano demais aproveitar-se dessa nossa fraqueza.