terça-feira, 29 de março de 2011

Minha cidade

A Curitiba que tenho na lembrança
É de uma manhã fria, ensolarada
Uma imagem ingênua de criança
De mais um começo de dia
Tão típico para esses lados
No sol, quente em demasia
Na sombra, um frio cortante
A geada nos gramados, brancamente
Luvas e cachecól, dupla constante
A brisa soprando, intermitente
O pão no forno, assando
O café com leite, bem quente
Aquecendo, contrastando
Como reza o costume aqui do sul
E sobre todos, testemunhando
Um céu imensamente azul.

Djalma Filho ( 29/03/1997) 

Elevadores e aviões





Quando vejo alguém de olhar tenso, riso nervoso ou mesmo olhos arregalados dentro de um elevador penso que deva ser assim que pareço quando estou dentro de um avião. Em elevadores, fico entendiado, apenas aguardando meu destino; em aviões, fico prestando atenção no que vejo e, mais ainda, no que penso ver. Elevadores e aviões são igualmente fontes de medo e angústia para muitos porque: não se tem controle sobre seu funcionamento ou mecanismo, não se enxerga para onde se está indo e são absolutamente claustrofóbicos, além, é claro, de que, no caso de acidentes, a possibilidade de óbito é realmente grande. Contudo a diferença dessa percepção se dá pela frequência com a qual se utiliza um e outro. Ou seja, para os que viajam diariamente de avião, a sensação é de tédio e indiferença, a mesma que sinto dentro de elevadores. No que estão certos, pois as estatísticas mostram que se morre mais em acidentes com elevadores do que em acidentes aéreos. Aliás, acidentes acontecem em qualquer lugar ou circunstância, embora a percepção de sua possibilidade apenas se acentue quando se sente vulnerável e sem o controle da situação.
Mas, mais do que em elevadores e aviões, morre-se em casa, por acidentes domésticos, justamente na segurança do lar, onde se pensa ter o controle de tudo.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Bullying, o escolar e o doméstico


Demorou para a sociedade começar a combater as maldades típicas do meio estudantil, paraíso das implicâncias gratuitas, preconceituosas e descabidas. A identificação e a coibição do bullying na escola é mais que bem-vinda porque esta é um laboratório da cidadania da vida adulta, uma ponte entre a vida íntima e a social. E a gravidade desse tipo de agressão, física ou moral, pode ser aferida pelo simples fato de que se trata geralmente de conduta criminosa (contra a honra e integridade física). Mas há outro tipo de bullying, que acontece dentro de casa. Sim, ninguém gosta de admitir, mas as relações intra-familiares não são um eterno anúncio de margarina, onde todos sorriem numa felicidade inabalável. Essas relações envolvem muito amor, mas também frustração, rancor e raiva. Pais castigam seus filhos, tanto por ação quanto por omissão, movidos mais por frustração, rancor e raiva do que por amor. É preciso educar, dar limites: diz o senso comum. Porém uma boa educação não precisa de expedientes ofensivos à moral e à integridade física. No fundo o que está em jogo é apenas a guerra do poder e um adulto, em regra, é mais forte que uma criança. O bullying entre irmãos também não é menos danoso do que o da escola. Este, ao menos, pode ser resolvido com a troca de sala ou mesmo de escola. Na verdade, vida íntima e social são distintas e, em certos aspectos, antagônicas. E por mais nobres que sejam as intenções, a lei do mais forte acaba regendo as relações deste caldeirão indevassável e efervescente que chamamos de vida familiar. Filhos absorvem e refletem tudo aquilo que seus pais fazem, dizem ou mesmo calam. Mas, sobretudo, filhos demostram  aquilo que seus pais tentam desesperadamente esconder de todos e, mais ainda, de si próprios.




terça-feira, 22 de março de 2011

Boneca



Grávida, gostava de pegar nos braços sua boneca de porcelana, a mesma dos tempos de menina, que breve teria uma nova dona (sim, haveria de ser uma menina; ela sabia). Fazia isso porque a boneca parecia acalmá-la depois dos pesadelos que a perseguiam. Neles via sua filha chorando sem poder acudi-la, já que uma rua em chamas as separava. No tempo certo iniciou-se o trabalho de parto e tudo transcorria como devia até que na hora exata não se ouviu choro nenhum. Só o silêncio, brutal e impiedoso. Ela pediu por seu bebê. Os outros hesitaram, depois deram-no. Estava morto. Seu pesadelo tinha se tornado realidade e, tal como lá, ela não poderia acudi-lo. Ao tomá-lo nos braços, ela também não chorou, apenas acariciou os pequenos cachos do ralo cabelo.  No quarto, arrumando suas coisas, ela se deu conta de que não teria forças para deixar a maternidade sem um bebê. Concluiu ser capaz de suportar tudo, menos o olhar de pena das pessoas. Então pegou sua boneca que esperava em vão e, envolvendo-a num manto, saiu de cabeça erguida. A propósito, seu bebê era mesmo uma menina. 


(conto extraído do livro "As coisas que chamamos de nossas")

terça-feira, 15 de março de 2011

Planeta inóspito

Primeiro a terra tremeu por cinco minutos, depois vieram três tsunamis de vinte metros de altura e, por fim, o fogo, um incêndio devastador. Resultado: cem mil mortos. Isso aconteceu em Lisboa, numa longínqua manhã de novembro do ano de 1755. A história do planeta que insistimos em chamar de nosso está repleta de episódios como esse. O homem, em sua infinita vaidade (ou seria o seu imenso desamparo?), pensa que tudo acontece por sua causa: deus está bravo com a humanidade!, numa explicação medieval, ou, é consequência da destruição da natureza!, numa explicação mais moderna, ecologicamente correta. Ou seja, não conseguimos ver o óbvio: a Terra é um imenso bicho, vivo, indômito e absolutamente selvagem, totalmente alheio ao fato de habitarmos a sua casca. Não somos mais do que suas pulgas, pequenos parasitas a sucumbir a cada catástrofe natural. Catástrofe para nós e não para o planeta que sobrevive assim há milhões de anos. Mas não estamos sós em nossa insignificância, a própria Terra não passa de um grão de areia num universo infinito e igualmente inóspito. Depois do tormento vem o silêncio: da contagem dos mortos, do socorro aos sobreviventes e da mais pura perplexidade. Mas esse silêncio, profundo e pesaroso, é sempre quebrado pela voz dos idiotas do apocalipse.

P.S.: esse texto teve como inspiração a coluna de João Pereira Coutinho, publicada hoje no jornal Folha de S. Paulo. 


 

quarta-feira, 9 de março de 2011

Viva o carnaval!


Proliferam as opiniões contrárias ao carnaval, todas cheias de razão e argumentos. Não, eu não gosto de pular carnaval; nunca gostei. Minto, gostei de um baile da minha infância e só. De mais a mais, sou um chato clássico, que não sabe dançar, não gosta de música alta e que foge a todo custo de aglomerações. Reconheço, contudo, que o carnaval, apesar de todas suas bobagens típicas, tem uma intenção muito nobre: proporcionar quatro dias de alegria contra a opressão da vida, do trabalho, do estresse, da depressão, da falta de objetivo, da alienação, do tédio, etc. Sua alegria, com dia e hora marcadas, chega a ser comovente porque não há motivo especial para se comemorar, nenhum feito, nenhuma homenagem, nada senão porque apenas é carnaval. E por que tanta opinião ranzinza? Inveja. Sim, ela mesma, nossa velha e renegada companheira que nos deixa incomodados em vários momentos da vida. Não se trata de uma inveja da folia desvairada, de gosto duvidoso, mas da alegria estampada no rosto desses bobos alegres chamados de foliões.





quarta-feira, 2 de março de 2011

Menino Mateus

Quando soube que eras um menino
Como o som de um sino
Algo dentro de mim dizia:
_É teu filho, que tanto querias!

Poderia ser uma menina
A nossa doce Carolina
Mas a vontade da natureza
Nossa soberana, nossa alteza
Foi de que se fecundasse um menino
Uma flor do sexo masculino.

Ah! Meu filho, pedacinho de mim
És ainda um anjo, um querubim
Mas o tempo te transformará
Serás um bebê, depois um piá.

Tenho tantas coisas para te contar:
Por que as estrelas brilham sem parar
Por que a água é assim molhada
E por que a Terra não fica só parada
E outras, que hás de me perguntar
As quais não saberei te explicar.

Saibas que será com gosto
Que verei em teu rosto
O primeiro sorriso desabrochar
A primeira palavra a balbuciar.

Mas agora és um pequeno ser
Que ainda está por nascer
Então penso, imagino
Como será teu olhar, menino?
Serão teus gestos comedidos?
Ou, quem sabe, assaz atrevidos?

Ah! meu filhote de gente!
Não supões como estou contente
Como ansioso estou por te ver
Para te dizer: muito prazer!

Tu que carregarás um nome abençoado
Sim, porque o seu significado
É, vê só, presente divino
Que ironia, meu pequenino:
Mateus é o presente de deus!

E pouco importa se teu pai é ateu
Ou um crente muito fervoroso
Pois és fruto de ato amoroso
És deleite indescritível
Felicidade possível
Nossa continuidade
Nossa eternidade

Tu que para mim já és tão lindo
Que sejas, então, muito bem-vindo!
Para bem junto dos olhos meus
Meu amado menino Mateus.

 (08-04-1997)



Mateus