Grávida, gostava de pegar nos braços sua boneca de porcelana, a mesma dos tempos de menina, que breve teria uma nova dona (sim, haveria de ser uma menina; ela sabia). Fazia isso porque a boneca parecia acalmá-la depois dos pesadelos que a perseguiam. Neles via sua filha chorando sem poder acudi-la, já que uma rua em chamas as separava. No tempo certo iniciou-se o trabalho de parto e tudo transcorria como devia até que na hora exata não se ouviu choro nenhum. Só o silêncio, brutal e impiedoso. Ela pediu por seu bebê. Os outros hesitaram, depois deram-no. Estava morto. Seu pesadelo tinha se tornado realidade e, tal como lá, ela não poderia acudi-lo. Ao tomá-lo nos braços, ela também não chorou, apenas acariciou os pequenos cachos do ralo cabelo. No quarto, arrumando suas coisas, ela se deu conta de que não teria forças para deixar a maternidade sem um bebê. Concluiu ser capaz de suportar tudo, menos o olhar de pena das pessoas. Então pegou sua boneca que esperava em vão e, envolvendo-a num manto, saiu de cabeça erguida. A propósito, seu bebê era mesmo uma menina.
(conto extraído do livro "As coisas que chamamos de nossas")
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