Enquanto assistia ontem pela segunda vez ao encantador "Meia-noite em Paris" constatei o óbvio: o personagem principal da trama, Gil Pender, não é outro senão o próprio Woody Allen. Estão lá os trejeitos, o ritmo da fala, o olhar, o figurino e, sobretudo, os desejos e as angústias do diretor. O filme, um divã cinematográfico, é a história de um roteirista de Hollywood que tem sucesso profissional, mas se sente frustrado por não ser um romancista em Paris. Talvez Woody se sentisse mais realizado, e assim mais valorizado por si próprio, sendo um grande escritor do que um grande roteirista/diretor, como se o cinema fosse uma arte menor do que a literatura. Mais ainda: sua insatisfação não se limita à escolha profissional e ao local onde mora, mas também ao tempo em que vive, na eterna romantização de um passado glorioso, as "eras de ouro" que nunca existem no tempo presente. Mas eis que, depois de muito caminhar perdido fisica e emocionalmente pela noite de Paris, Gil Pender tem um insight salvador de que a vida, de uma forma ou de outra, é sempre insatisfatória e que as escolhas que fazemos são sempre válidas porque são reais. Na verdade, ao olhar para trás, questionamos nossas decisões por referências diversas daquelas percebidas no momento da decisão. Porém a hora crucial não é o passado mas o presente, quando temos que decidir. Por essa razão norteamo-nos mais por referências reais do que ilusórias. Agimos assim por conta do nosso instinto de auto-preservação. Depois disso, liberto de seus fantasmas, tal qual Gil Pender, Woody Allen pode agora caminhar pela noite chuvosa de Paris, muito mais leve por ser simplesmente quem de fato ele é.
Nenhum comentário:
Postar um comentário