terça-feira, 8 de novembro de 2011

O MENINO QUE LAMBIA PRATOS

Em casa, quando criança, finda uma refeição, eu lambia meu prato. Meu irmão, ao contrário, deixava restos. Um  fato tão banal quanto revelador para um lar sem rompantes de afetividade. Pudor e comedimento imperavam quando se tratava de expressar sentimentos. Palavrão só fui ouvir na escola, aos onze anos. Mas volto ao prato. Não é novidade falar da relação íntima entre comida e afetividade. Só hoje percebo o quão meu gesto expressava carência afetiva. Veja, mãe, eu aceito de bom grado esse afeto em forma de comida! Talvez porque eu julgasse que deveria fazer por merecer essa oferta. Já os restos que meu irmão deixava no prato poderiam querer dizer o oposto: Mãe, por mais que você se esforce, seu afeto não me é o bastante. Como relacionamentos afetivos são encontros de neuroses, um salve-se quem puder emocional, não sei qual filho recebia mais atenção. Pobre mãe, tão vilã e tão vítima, tão manipuladora e tão manipulada, quanto seus dois filhos homens, carentes e insaciáveis, dois tipos tipicamente humanos.   


5 comentários:

  1. Amei Djalma!!! Um relato tão simples me tocou tanto porque eu também vivi isso... e eu também lambia o prato! Hahahaha!!! Quanto aos afetos, nada que a minha terapia não possa me fazer adminsitrar. Parabéns pela sensibilidade e pela consciência representada nos seus escritos.

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  2. Djalma
    Lambia pratos e era muito bom.
    Não os lambo mais pois aprendi uma técnica que faz do pãozinho uma "língua no prato" aceito com menos constrangimentos.
    Ainda lambo os dedos e sem perdão uso as mãos em certas carnes.
    Vez ou outra sobra para a colherzinha do café quando ela volta do mergulho.
    Nada de mais, trata-se apenas de uma fase oral ligeiramente estendida por algumas poucas décadas.
    Sou afeito e afetos a boa comida.
    Saudades da Dona Cida...

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  3. Risos... Gostei do seu comentário gastronômico-erótico-afetivo, Paulo. Abraço grande.

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