terça-feira, 27 de setembro de 2011

O RIDÍCULO INDOLOR


Antigamente eram os filhos que desejavam vestir-se com a sobriedade e a elegância dos pais. Hoje são os pais que querem se vestir com a irreverência e a ousadia dos filhos. Não defendo a volta da cartola nem dos espartilhos. Mas está se tornando ridícula essa busca pela aparência juvenil. Já disse aqui outro dia que meus cabelos estão embranquecendo progressivamente. Então, pesquisando sobre o assunto na internet, vi que, primeiro, os homens se afligem com isso mais do nunca, e, segundo, as mulheres dizem gostar de homens grisalhos. Conclui então que o homem pinta o cabelo por gosto próprio e com o objetivo de não parecer velho. Parece óbvio, mas não é. Cabelos pintados, com seu aspecto estranho e artificial, não deixam um homem mais jovem, já que os vincos da face revelam sua idade real. Mas, em contrapartida, despistam providencialmente o foco de sua aparência. Em sua avaliação neurótica, melhor que seus cabelos chamem a atenção pela eventual cafonice do que pelo embranquecimento. Seja pela roupa ou pelo corpo, é mais indolor hoje parecer ridículo do que parecer velho.




quinta-feira, 22 de setembro de 2011

DEIXEM OS GRANDES ESCRITORES EM PAZ

Fernando Pessoa, Clarice Lispector, Mario Quintana, Vinicius de Moraes, Gabriel García Márquez, José Saramago, dentre outros, nunca tiveram a notoriedade que desfrutam atualmente, o que é bom. Tal façanha, contudo, não se deve às suas obras propriamente, e sim à farta circulação na internet de textos e frases que lhe são falsamente atribuídos, o que é mau. Não apenas porque os escritos são falsos, mas porque nem de longe têm o brilho, o estilo e a profundidade dos autores a eles indevidamente atrelados. Nada contra citações, gosto delas até, desde que respeitada a verdadeira autoria, pois tão condenável quanto plagiar obra alheia (crime, aliás) é atribuí-la indevidamente a alguém. Seria um plágio às avessas? O que dizer então daquela carta de despedida que Gabriel García Márquez teria escrito em Paris pouco antes de morrer de câncer? Carta "homicida", na verdade, porque o escritor de "Cem Anos de Solidão" encontra-se ainda vivo. Aliás, vivo  o bastante para dizer publicamente: "o que pode me matar não é o câncer, mas a vergonha de que alguém acredite que eu escrevi algo tão cafona." Justa sua declaração, sem dúvida, mas débil diante da imensa avalanche virtual que, em sentido contrário, continua a propagar como sua a famigerada missiva. Outros autores, mortos de verdade, ao menos são poupados de tamanho constrangimento. Mas da ofensa à sua memória, não. 

Alguns textos e os autores a quem são indevidamente atribuídos:

Procura-se um amigo - Vinicius de Moraes;
Fechando ciclos - Fernando Pessoa;
Instantes - Jorge Luiz Borges;
Recomeçar e Boleros - Carlos Drummond de Andrade;
Lições de vida - Clarice Lispector;
Promessas matrimoniais - Mario Quintana.

domingo, 18 de setembro de 2011

IT'S NEW YORK

Uma festa para os cinco sentidos: é assim que sempre percebo Nova York em minhas esporádicas mas constantes visitas. Viva, linda, pulsante, tanto antes quanto depois do fatídico Onze de Setembro. Recentemente fui pela primeira vez até o Ground Zero, dias antes da inauguração da bela Plaza Memorial. Nunca tinha tido antes tal curiosidade; sempre achei um programa meio mórbido. Confesso, porém, que não vi nada além de um imenso canteiro de obras. Mentiria se dissesse que senti alguma vibração ou emoção especial. Essa aparente alienação tem uma justificativa:  é que a surrealidade de um acontecimento como aquele transcende minha capacidade de compreensão material, mesmo estando no local de sua ocorrência. Aliás, justamente para isso serve um memorial: dar materialidade ao absurdo vazio da perda. Mas Nova York não é a cidade do luto nem da dor. Não lhe cabe o triste papel de vítima. Porque seus alicerces não estão fincados em arranha-céus, ainda que estes façam parte do seu DNA. O que a sustenta é o sonho comum àqueles que a fizeram como de fato ela é: uma metrópole tão caótica quanto adorável. 



quarta-feira, 14 de setembro de 2011

TEMPO, TEMPO, TEMPO

Outro dia disse para minha mulher: ouça, essa canção é do nosso tempo. Ela, perspicaz, emendou: como assim do nosso tempo? Percebendo aonde ela queria chegar, corrigi: essa canção é do nosso tempo de juventude. É muito comum essa noção equivocada em relação ao tempo, como se ele fosse propriedade ou prerrogativa da juventude. Talvez porque quem é jovem, em tese, tenha todo tempo pela frente. Em outras palavras, os jovens têm o futuro diante de si. Mas o futuro não é outra coisa senão uma expectativa de um tempo que ainda está por vir. Pois é, falo, falo, mas não digo o essencial (como escrevia Nelson Rodrigues). O tempo pertence a quem está vivo, independente da idade. Tenha oito ou oitenta, o seu tempo será sempre hoje. O passado não é mais um tempo, e sim memória, lembrança. Quem vive no passado ou no futuro nega a si próprio a possibilidade do presente. O problema é que às vezes o presente não é lá grande coisa. Então a fuga para outro tempo que não mais existe ou que jamais existiu é algo tentador, talvez até mesmo uma necessidade. O tempo é agora: eis o fato. Mas que coisa mais ambígua, fantástica, relativa, ilusória, fugaz, o tempo é. 


quarta-feira, 7 de setembro de 2011

POR QUE EU?

Não gosto quando me sinto diferente dos outros. Sim, eu sei, somos todos diferentes. Mas, existencialmente falando, somos muito mais iguais que diferentes. Feitos de carne e osso, padecemos das mesmas angústias, independentemente de onde estamos, do que somos ou do que temos. Por isso não gosto de quem, a despeito disso, acha-se diferente, especial, ungido, protegido. Seja por sua origem, qualidades, raça, classe, formação, religião, seita etc. Humildade não é a qualidade de quem se acha menos, mas justamente de quem se sente igual. Ser humilde, então, não é algo simples. O mundo se divide entre os que se acham mais e os que se acham menos. Os primeiros sentindo-se donos de tudo; os segundos, vítimas de tudo. Não bastasse, tais sentimentos estão em todos, em diferente escala, é verdade, mas igualmente ávidos e famintos. É compreensível, por isso, deparar-se com uma situação dramática e perguntar: por que eu? Compreensível mas nada humilde. Talvez outra pergunta simples responda essa aparente insolúvel questão existencial: por que não eu?



quinta-feira, 1 de setembro de 2011

QUEM TEM MEDO DE ENVELHECER?



Eu tenho. Digo enquanto levanto uma mão imaginária. Não sou velho, tenho 43 anos, mas meus cabelos embranquecidos laboram contra meu desejo de parecer mais jovem. Mais que isso, concedem-me a aparência de anos ainda não vividos. E hoje isso é algo absolutamente indesejável. Parecer mais jovem, sempre; parecer mais velho, jamais: eis o mantra da fonte da juventude. Uma ideia antiga, mas que acabou se tornando algo parcialmente atingível com os progressos da medicina e das indústrias estética e cosmética. E por que tanto medo de envelhecer? Primeiro, por causa da morte. Tanto o espelho quanto o olhar alheio são medidores implacáveis da proximidade do próprio fim, um indigesto cartão de apresentação. E segundo, por causa da vaidade, que torna o envelhecimento uma ingrata corrida contra o tempo, cujo resultado pode ser a perda da identidade estética e emocional. Mas, nesse caso, o medo de parecer bizarro ou ridículo é muito menor que o de parecer apenas alguém simplesmente envelhecido.