Do nosso hino, gosto do poético verso "Deitado eternamente em berço esplêndido, ao som do mar e à luz do céu profundo". Sem dúvida uma linda imagem. Mas não gosto da parte final, porque reflete o caráter passivo da nossa gente ("Dos filhos deste solo és mãe gentil, Pátria amada Brasil"). Filhos de uma mãe acolhedora, que provê todas as necessidades, é assim que nos vemos. Já o hino dos Estados Unidos, no seu final, enaltece a liberdade e a bravura de seu povo ("The land of the free and home of the brave"). Talvez porque saibam que sem bravura não se tem liberdade, que sem bravura não se tem nada. Nós somos as criaturas da Pátria; eles, os criadores. Para eles o Estado é um meio; para nós, um fim. Essa é a diferença.
segunda-feira, 8 de dezembro de 2014
quinta-feira, 27 de novembro de 2014
HUMILDADE ATEÍSTA
Seria o ateísmo uma convicção arrogante por não reconhecer a existência de um Deus? Não, penso justamente o contrário. Ser ateu é, sobretudo, um ato de humildade. Não é fácil reconhecer a própria insignificância universal. As leis da natureza, cuja dinâmica é regida por começo, meio e fim, são devastadoramente superiores à minha vontade individual. Da ótica universal, minha vida não difere da mais prosaica formiga. Aliás, não vejo humildade alguma em curvar-se diante de um Deus que promete vida eterna. Para mim, isso é mescla de oportunismo com falta de opção.
domingo, 2 de novembro de 2014
UM BRINDE AOS NOIVOS!
Como são lindas as palavras! Mas como capciosas, imprecisas e equivocadas elas podem ser. Chuang Tzu disse há mais 2.000 anos que o perfeito elogio é não se ter nenhum elogio. Talvez o silêncio seja a forma de expressão mais contundente, mas como são lindas as palavras! Elas contam quem fomos, somos ou sonhamos ser. Então prefiro as palavras, mesmo sendo elas capciosas, imprecisas ou mesmo equivocadas. Por isso damos palavras a quem amamos. Vejam o meu caso. Há vinte anos, estava me debatendo com o discurso da minha formatura do curso de direito. Faltava-me o final. E todos sabem a importância de se terminar bem um discurso. Vasculhando, encontrei um cartão de aniversário escrito por este meu grande amigo, Paulo Roberto Nascimento Fernandes. Pedi licença para usar aquelas palavras como sendo minhas. Ele, generoso e gentil, disse que elas eram minhas porque as tinha dado a mim. Pois bem, Paulo e Eva, hoje, depois de tantos anos, eu devolvo aquelas mesmas palavras: "Amigos, quantos não foram os encontros. Quantas as opiniões, teorias e filosofias traçadas. Um deixar-se influenciar constante, sem medo, pois na verdadeira amizade essas coisas praticamente não existem. São caminhos e temperamentos diferentes, mas nem por isso distantes. Juntos crescemos, iniciamos lutas que sempre hão de existir; rebelamo-nos; pacificamos guerras. Dentro de nós, amigos, existe algo de pulsante e inquieto que teima em nos impor o 'sentimento do mundo'. São detalhes que tornam os dias mais claros, a vida mais envolvente, os amores mais românticos. Não que dentro de nós não existem tristezas ou desilusões, pois esses sentimentos fazem parte da aventura que é viver, e somente entendendo-os é que nos tornamos pessoas melhores. As ilusões. Ah! As ilusões! Que essas cenas que projetamos para nossas vidas sustentem o lirismo, a impulsividade e a conquista. Que o encontro faça sempre parte de nossas vidas." Senhoras e senhores, um brinde aos noivos! (Discurso proferido em 03/10/2010 no casamento dos amigos Paulo e Eva)
segunda-feira, 20 de outubro de 2014
FANATISMO POLÍTICO
Talvez mais nocivo que o fanatismo religioso, o fanatismo político mostra suas cores vivas em tempo de eleição. É quando a convivência com aqueles que divergem da sua visão política se torna insustentável, quando se passa a viver sob o lema "os que não estão comigo estão contra mim". Até aí dá pra aceitar e compreender porque as consequências se limitam às relações sociais (eu mesmo já fui abduzido do Facebook de alguns amigos por esse motivo). O problema se torna grave, porém, quando o fanatismo chega ao poder. Então ganha força o desejo de sufocar toda e qualquer posição contrária aos seus interesses e de avocar para si a legitimidade de ser a única opção correta para toda uma nação. A falência da democracia será só uma questão de tempo.
quarta-feira, 10 de setembro de 2014
O NOVO PACTO
Vi na tevê um pastor dizer que Deus é o dono de toda a riqueza do mundo e que, portanto, o seu povo deve tomar posse dessa riqueza. Seu raciocínio é tão reto quanto simples: quem adora a Deus tem poder e prospera. Isso me fez lembrar da única passagem bíblica em que poder e riqueza são associados diretamente à adoração (Mateus, cap. 4, ver. 8 e 9): "Te darei poder e riqueza sobre a Terra se me adorares". Curiosamente quem faz essa promessa não é Deus e sim o Diabo. Ou seja, o que hoje se propõe é um pacto com Deus nos moldes propostos pelo Diabo. Não, não acho errado prosperar. Eu também quero, só que sem as vestes da espiritualidade sagrada.
quinta-feira, 4 de setembro de 2014
FUTEBOL E PRECONCEITO
Estádio de futebol sempre foi um templo plebeu. Ou melhor, onde nobres e plebeus falam a mesma língua, praticam os mesmos gestos e, principalmente, os mesmos insultos. Diz o senso comum que "macaco" é uma ofensa racista, mas num estádio de futebol as ofensas não têm o mesmo peso nem a mesma intenção que na vida civil. Quando uma torcida faz coro de "viado", pouco importa a vida sexual do ofendido. Quando se chama o árbitro de "ladrão" não se está dizendo que ele está de fato praticando o crime de roubo. Tudo faz parte de uma rude catarse coletiva, tipicamente humana. Minha sugestão: diminuir a hipocrisia ou distribuir uma cartilha explicativa das ofensas que não serão toleradas nos estádios para evitar processos e linchamentos morais futuros.
terça-feira, 19 de agosto de 2014
A ARTE DE NÃO DIZER
Escrever não é fácil; requer treino e
paciência. Ao contrário do que se supõe, dizemos mais quando escrevemos pouco.
Isso porque quando escrevemos muito acabamos por limitar o próprio conteúdo.
Não o conteúdo objetivo, mas o subjetivo, muito mais importante, que é a possibilidade
de identificação do leitor; quando, de uma forma ou de outra, o texto retrata
suas emoções. E quanto mais espaço houver para isso tanto melhor. Mas apenas
escrever pouco não basta. É preciso escrever bem, garimpar pacientemente cada
palavra para que a ideia central ganhe força. É preciso também não ceder à
tentação do virtuosismo, que só impressiona e satisfaz o próprio escritor. Num bom
filme de suspense as cenas mais marcantes são as que sugerem algo que
não vemos. Afinal não temos todos os mesmos medos, mas é certo que de algum
medo todos padecemos.
Publicado na Revista da AATPR (Associação dos Advogados Trabalhistas do Paraná), 3a. Edição.
terça-feira, 5 de agosto de 2014
O MENINO E O TIGRE
O que leva um pai observar passivamente o filho destemido brincar com um tigre? Admiração, pura e simples admiração. Sim, há falta de limites nas crianças de hoje e blá-blá-blá, blá-blá-blá. Mas há mais. Pais desde sempre projetam nos filhos uma vida melhor da que têm ou tiveram. Porém ver o filho admirado nos diversos palcos da vida moderna se tornou o suprassumo da realização. O episódio do menino provocando o tigre enjaulado é sobretudo fruto desse desejo. O pai não viu o perigo, seduzido que estava pela demonstração pública de coragem que o filho proporcionava. Foi quando a realidade mostrou suas garras e seus dentes.
quarta-feira, 18 de junho de 2014
BRASILEIRO NÃO SABE VOTAR
Diz o senso comum que brasileiro não sabe votar. Discordo. Na verdade brasileiro não tem em quem votar. Dilmas, Lulas, Aécios, Eduardos, Marinas e Joaquins da vida estão longe da figura honesta, culta, competente e equilibrada que se espera de um presidente da República. Somente com muita educação, em casa, na escola, na rua, no trabalho, é que progrediremos como nação a ponto de não sermos mais reféns de líderes vazios e populistas. Vencida essa etapa, votar deixará de ser um dilema. Os bons candidatos surgirão naturalmente.
sexta-feira, 6 de junho de 2014
UM TAPINHA NÃO DÓI?
Em certas culturas é aceitável que o homem bata na própria mulher sempre que esta lhe desobedeça ou falte com o devido respeito. Arcaico, absurdo, revoltante? Pois bem, considero que, na mesma linha, a "Lei da Palmada" representa um avanço social na medida em que contraria o senso comum de que os pais têm o direito de imprimir castigos físicos aos filhos quando imbuídos de boa intenção. Não acredito no caráter educativo da violência, ainda que branda. Boa educação é fruto de bons exemplos, paciência e sabedoria. Já dei palmadas nos meus filhos e não me orgulho disso. Ao contrário, envergonho-me por não ter tido o suficiente controle da situação e de mim mesmo. Sim, é claro que as crianças precisam de limites bem claros, mas nós adultos também precisamos.
quinta-feira, 22 de maio de 2014
COPA AUTOFÁGICA
Não é preciso dizer o que aconteceu, está acontecendo ou mesmo deixando de acontecer em relação à Copa do Mundo que será realizada no Brasil. Alguém acreditou que não haveria corrupção e desorganização, caraterísticas tão próprias do caráter nacional? Aliás, o que me deprime não é a corrupção dos políticos, mas a nossa, pequena e vergonhosa, do dia a dia, que tão bem nos explica e escancara. Me pergunto sobre nossa alegria. Amamos festa e futebol. Será que iremos ficar de cara amarrada justamente quando somos os anfitriões? Com essa indignação hipócrita, colérica e cheia de pose, o brasileiro está deixando de ser bobo alegre para ser apenas bobo.
terça-feira, 13 de maio de 2014
VAIDADE
Materialização do recorrente desejo de distinguir-se da maioria, títulos, cargos e patentes causam fascínio desde sempre. Mas também limitam e escondem o que é ou foi uma pessoa. Se Fulano é Marechal, por exemplo, só consigo imaginar um militar cheio de medalhas. Então não vejo o pai, o marido, o amigo, o jogador de truco, o tocador de viola, que pode estar por detrás de seu imponente prefixo. Para mim nome e sobrenome bastam. Só eles são capazes de albergar toda a diversidade linda e banal de uma vida humana. Pode parecer contraditório, mas é isso que de fato nos distingue.
terça-feira, 1 de abril de 2014
VOCÊ SABE COM QUEM ESTÁ FALANDO?
A imposição da autoridade legalmente constituída fora do exercício da função pública, além de crime de abuso, é uma excrescência. A autoridade só o é no pleno exercício da sua atividade funcional. Fora disso não é mais que um cidadão como outro qualquer, com os mesmos direitos e deveres. Eis o ponto: ser cidadão não é pouco. Na verdade é muito. É mais, inclusive, do que ser autoridade. Isso porque o conceito de cidadania é o fruto mais nobre da evolução do pensamento e da ética humana. Enquanto a autoridade sempre flerta com o uso da força, por vezes necessária, a cidadania mantém seus laços firmemente atados à dignidade. Por isso a humanidade sai fortalecida quando na vida civil alguém se identifica apenas como um cidadão.
terça-feira, 25 de março de 2014
RECEITA DE VELHICE
Estava eu pensando na minha futura, e já não tão distante, velhice. A depressão é um mal típico da terceira idade, pelo declínio da saúde, pela morte ou doença do cônjuge e pelo implemento da aposentadoria. Como assim, aposentadoria? Será que uma simples ocupação já não é capaz de substituir o trabalho a ponto de manter a mente produtiva? Desconfio que não. Só o trabalho remunerado confere a dignidade e o respeito devidos. Então percebo o óbvio: saúde, companhia e trabalho, todos precisamos disso para não cair em depressão, não só na velhice, mas em todas as idades.
terça-feira, 18 de março de 2014
É TRISTE SÓ PARECER
Mais importante do que ser é parecer ser. Essa é a tônica atual. E é mesmo compreensível sucumbir ao derradeiro recurso da mera aparência, já que buscar aprovação e aceitação numa sociedade que deseja sempre mais é tarefa inglória. Por isso dissimula-se tanto, especialmente riqueza, beleza e juventude. Então a gente quer parecer mais rico, mais bonito e mais jovem do que realmente é. E não dá pra negar que até conseguimos alguma satisfação pelo brilho do olhar alheio. Mas nós sabemos a verdade e ela dói, porque o açoite da lembrança do que não somos flagela nossa autoestima. Ou seja, só parecer ser é muito mais triste do que simplesmente não ser.
terça-feira, 11 de março de 2014
TRABALHO DE RELIGIÃO
Meu filho Gabriel recebeu a incumbência escolar de escrever sobre algum grupo que sofre intolerância social. Deveria fotografá-lo, inclusive. Leve um retrato da nossa família!, sugeri. Diante da sua reticência, perguntei se ao estudarem os grupos religiosos era mencionada a existência dos ateus. Não, não era. Quer intolerância maior a um grupo que tem a própria existência omitida? Daí ele se convenceu. O professor, surpreso com o ineditismo da abordagem, quis saber se ele sofria de fato preconceito por ser ateu. Como a resposta foi afirmativa, prometeu rever o programa da disciplina. É possível que a promessa tenha caído no esquecimento (isso foi em 2012), mas ao menos a nossa família permaneceu por alguns dias, feliz e sorridente, no quadro dos melhores trabalhos de religião.
terça-feira, 25 de fevereiro de 2014
CRISTO E OS ENFERMOS
Segundo a bíblia, Jesus curava paralíticos, cegos, surdos, loucos, endemoniados etc. Não há dúvida que o fazia por compaixão, mas se a natureza é obra divina, nós também o somos, com todas nossas peculiaridades. Assim, é compreensível que o homem, apesar de suas limitações, busque curar seus males, mas não que Deus-Filho resolva corrigir "falhas" de seu Deus-Pai. Se para todo sofrimento há um propósito divino, curar doentes com poderes sobrenaturais me soa insubordinatório e intromissivo. De mais a mais, deficiências físicas não são entraves intransponíveis para uma vida digna e feliz. Pior mesmo é a deficiência de caráter que, em regra, nos acompanha por toda vida. Por que Cristo não curava esse mal?
quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014
UM BOM LIVRO
Gosto de ler a realidade criada a partir da imaginação. Tramas atuais, que traduzam com simplicidade a condição humana, me encantam especialmente. Apesar de não haver fórmula nem forma, uma boa história é sempre premissa básica. Se bem que o talento da escrita é capaz de tornar boa qualquer história. Mas há outro aspecto, para mim relevante, que é o modo com o qual o escritor se mostra. Há os que o fazem de modo esnobe, desejando a incompreensão da maioria. Escrevem pelo impulso narcisista. E há os que escrevem com a humildade que todo ofício requer. Sabem que o escritor deve entreter o leitor. Nos bons livros, leitor e escritor sempre acabam íntimos.
terça-feira, 11 de fevereiro de 2014
O DIREITO DOS MORTOS
A justiça é para os vivos e não para os mortos. Um homicídio pode ser doloso, culposo ou acidental. A responsabilidade irá variar de acordo com a intenção de quem o causou, muito embora para a vítima o resultado seja o mesmo, fatal e irreparável. Eis o fato: ao morto o pior já aconteceu. Tentarei ser mais claro. No caso do homicídio culposo, por exemplo, decorrente de imprudência, negligência ou imperícia, a pena em regra é branda, já que não houve a intenção de matar. Ou seja, para os vivos tal ação não é tão grave. Mas para a vítima, sim, a ação foi gravíssima e absolutamente injusta. Ocorre que o sentimento de justiça é centrado nos vivos e não nos mortos. Talvez agimos assim para a manutenção da própria espécie (como os animais que deixam seus mortos para trás, sem culpa nem hipocrisia). Mas, além disso, talvez seja ressentimento, porque mortos nos lembram do nosso inevitável destino.
terça-feira, 4 de fevereiro de 2014
SANTO DINHEIRO
A religião, essa disneylândia das culpas, sempre nos incutiu a vergonha do dinheiro. Ricas e poderosas, apesar de nada produzirem, igrejas recomendam a caridade aos mais pobres, mas nunca vi nenhuma distribuir seus bens como Jesus sugeriu ao jovem rico na conhecida parábola. Não que eu acredite que dar dinheiro seja a solução, longe disso, porque um dia a fonte seca. Porém quando o assunto é dinheiro reina mesmo a hipocrisia. Faço uma resssalva aqui às igrejas que pregam a prosperidade em Cristo. É claro que o mais próspero é sempre o pastor, mas ao menos elas desoneram seus seguidores da culpa do dinheiro, desde que em dia com o dízimo. Para finalizar, nenhum conselho ou mensagem edificante, só a confirmação de que nesse mundo dinheiro não é problema: problema mesmo é não ter dinheiro.
terça-feira, 28 de janeiro de 2014
O MESTRE DO DIVÃ
Na medicina o diagnóstico é fundamental; na psicanálise, não. Ao contrário, é até contraproducente. Embora não seja médico nem psicanalista, percebo que só estamos preparados para ouvir o que temos condições emocionais de assimilar. Quando alguém nos mostra uma possível verdade a nosso respeito de modo claro e objetivo, a tendência é ficarmos na defensiva. E todos sabemos que a autodefesa e a autoindulgência são igualmente inimigas da mundança. Diz o senso comum que o mestre aparece quando o discípulo está pronto. No processo psicanalítico, penso, isso acontece de um modo muito peculiar. O psicanalista prepara o caminho, mas ele não é o mestre. O mestre é o próprio paciente.
quarta-feira, 22 de janeiro de 2014
PILARES DA CIVILIZAÇÃO
Quem fala que hoje é a pior época conhece pouco história. Quem milita contra a ordem e a segurança, também. Não foi da noite para o o dia que a civilização sedimentou a expectativa de que é possível a vida em sociedade. É preciso crer que a calçada é do pedestre, que o dinheiro tem valor, que assinatura gera efeitos, que a lei é para todos, e assim por diante. Sem tais premissas, a vida seria totalmente regida por critérios aleatórios e cruéis. Ser contra o sistema sempre dá a aura charmosa de "revolucionário". Mas é justamente esse sistema, falho e cheio de vícios, que faz com que a maioria chegue ilesa em casa ao fim de cada dia.
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