Era uma familia feminina. Bisavó, avó, mãe e filha. Tinham uma vida normal, apesar da criança possuir um distúrbio genético, que tornava baixa sua imunidade, deficitária sua coordenação motora e capacidade mental, e, ainda, com tendência à obesidade mórbida. Mas não era uma criança triste, justamente ao contrário. Era segura do espaço que ocupava na família. Seu mundo era feito de bonecas, princesas e de bichinhos digitais japoneses, que via na televisão. Tinha, também por conta da doença, maneirismos que lhe davam a sensação de segurança, inclusive um muito insólito: guardar embalagens de macarrão instantâneo. A bisavó se dava muito bem com a menina, mas por ser muito velha um dia morreu. A menina não chorou, porém ficou claramente sentida. Ralhou com a mãe e com a avó, expressando toda a simplicidade com que via a vida: por que vocês levaram a Bisa para o hospital? Se não tivessem levado, ela ainda tava aqui com a gente.Um ano já havia passado quando ela chegou radiante em casa com uma folha de papel nas mãos. Disse que a professora tinha pedido para cada um desenhar a sua família. No desenho, além dela, com seu vestido cor-de-rosa predileto, via-se a mãe, a avó e a bisavó. As quatro sorridentes e de mãos eternamente dadas.
Extraído de meu livro "As coisas que chamamos de nossas", conto dedicado à memória de Isabela de Jesus (23/06/1998 - 25/06/2008).